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Segurança energética em tempos de crise climática por Marcos da Costa Cintra¹

As mudanças climáticas não são mais uma ameaça distante- elas já estão entre nós, moldando nossa realidade de maneira irreversível. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o futuro do clima global já foi, em grande parte, traçado. O acúmulo histórico de gases de efeito estufa criou uma espécie de herança ambiental, cujos impactos continuarão a se manifestar por décadas, talvez séculos, independentemente dos esforços imediatos de redução de emissões. A pergunta agora não é se enfrentaremos os efeitos dessas mudanças, mas como lidaremos com eles. 

Desde a Revolução Industrial, as atividades humanas emitiram mais de 1.500 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO₂). Este carbono, retido na atmosfera, age como um cobertor térmico, aquecendo o planeta e intensificando eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, inundações e tempestades. Atualmente, continuamos a liberar cerca de 40 gigatoneladas de CO₂ por ano. Mesmo com avanços nas políticas de mitigação, a magnitude das emissões passadas garante que os efeitos sobre o clima serão sentidos por muito tempo. 

Diante desse cenário, a segurança energética torna-se uma questão central. A infraestrutura global- da produção de alimentos aos serviços de saúde, passando pelas indústrias e sistemas de transporte- depende de um fornecimento de energia estável e confiável. Porém, a crescente frequência de eventos climáticos extremos ameaça essa estabilidade, impondo a necessidade de uma transformação que seja não apenas sustentável, mas também resiliente em nossos sistemas energéticos. 

A transição para fontes de energia renováveis, como solar e eólica, tem sido crucial na redução das emissões de carbono. Políticas públicas ao redor do mundo têm impulsionado o rápido crescimento dessas indústrias. No entanto, como ocorre com toda tecnologia emergente, essas fontes enfrentam desafios significativos- o principal deles é a intermitência, já que sua geração depende das condições climáticas, o que as torna menos previsíveis em comparação às fontes tradicionais de energia. 

O petróleo e o gás natural continuarão a desempenhar um papel estratégico nas próximas décadas, especialmente no Brasil, cuja produção apresenta as menores emissões de CO₂ do mundo. No entanto, é essencial que esses recursos sejam utilizados de forma compatível com as metas climáticas globais, investindo-se em tecnologias que reduzam a pegada de carbono da cadeia produtiva, como a captura e o armazenamento de carbono.

Garantir um suprimento seguro e confiável de petróleo e gás não apenas atende à demanda energética interna, como também preserva a competitividade do país. Com reservas promissoras no pré-sal e na Margem Equatorial, o Brasil deve assegurar que essas fontes continuem contribuindo para a segurança energética e o desenvolvimento nacional. Ao utilizar essas reservas de forma sustentável, o Brasil pode se posicionar como um ator-chave tanto na transição energética quanto na economia global. 

Além disso, as instalações de energias renováveis, que muitas vezes ocupam vastas áreas geográficas, são especialmente vulneráveis a eventos climáticos extremos. Tempestades, inundações e até incêndios florestais podem danificar essas infraestruturas, interrompendo o fornecimento de energia. A dependência de materiais críticos, como os metais raros utilizados em painéis solares e turbinas eólicas, acrescenta uma camada extra de vulnerabilidade. Muitos desses materiais são extraídos em regiões politicamente instáveis, o que aumenta o risco de interrupções na cadeia global de suprimentos. 

Diante dessa realidade, garantir a confiabilidade do sistema energético exige que fontes renováveis e convencionais operem de forma integrada. Soluções despacháveis e tecnológicas, como energia hidrelétrica com reservatórios, termoelétricas e até mesmo energia nuclear, além do armazenamento de energia em baterias e redes inteligentes, desempenham um papel crucial ao complementar as renováveis e assegurar a estabilidade do fornecimento. 

Países como a Noruega, EUA e Reino Unido têm investido em tecnologias de captura de carbono e em sistemas de geração híbridos para otimizar a coexistência de renováveis e fontes convencionais, além de reforçar suas redes elétricas com o uso de inteligência artificial para prever picos de demanda e ajustar a oferta de forma mais eficaz, garantindo segurança energética enquanto avançam na transição para uma economia de baixo carbono. 

A transição para uma economia de baixo carbono não é apenas uma necessidade ambiental, mas um imperativo estratégico. No entanto, essa transição só será bem-sucedida se for orientada por uma abordagem pragmática que reconheça a interdependência entre sustentabilidade e resiliência. As energias renováveis são essenciais para a transformação do sistema energético global e, combinadas com fontes firmes e despacháveis, têm o potencial de criar uma rede elétrica segura e resiliente, capaz de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. 

Uma solução promissora seria a criação de um mecanismo de pagamento pelos “atributos de confiabilidade”, no qual todas as fontes de energia- renováveis e convencionais- contribuam para o fortalecimento da rede elétrica. Esse modelo possibilitaria uma combinação mais inteligente e eficiente de diferentes fontes, incentivando a otimização de investimentos em geração e distribuição. 

O mundo que conhecíamos- com padrões climáticos previsíveis e um sistema energético estável- está rapidamente ficando para trás. Estamos entrando em uma nova era, marcada por extremos climáticos cada vez mais frequentes e intensos. Essa realidade exige uma governança energética que vá além da simples expansão das energias renováveis. A segurança e a resiliência energética tornaram-se questões de sobrevivência nacional, econômica e social. 

Embora as mudanças climáticas já estejam “contratadas”, ainda temos a chance de moldar o futuro. Medidas ambiciosas de mitigação, aliadas a investimentos estratégicos em adaptação, são essenciais. Limitar o aumento da temperatura global é urgente, mas igualmente crucial é garantir que nosso sistema energético seja capaz de resistir às pressões climáticas inevitáveis. Somente assim, poderemos assegurar a segurança e a estabilidade a longo prazo.

¹ Artigo de opinião publicado originalmente em Valor Econômico em 15/10/2024.

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