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Como o Brasil pode jogar para ganhar no mercado de carbono por Marcos da Costa Cintra¹

Às vésperas de ser votado no Senado, o projeto de lei 2.148 de 2015, que propõe a criação de um mercado de crédito de carbono no Brasil, tem criado grandes expectativas e é motivo de debates acalorados. 

À 1ª vista, a iniciativa representa um passo importante em direção a uma economia mais sustentável e de baixo carbono. No entanto, uma análise mais aprofundada revela desafios significativos que precisam ser enfrentados para que o projeto atinja plenamente seu objetivo de reduzir emissões de maneira abrangente e eficaz, sem comprometer a competitividade do país.

Um dos principais pontos de preocupação é o escopo limitado da proposta atual, que abrange apenas os setores de energia e indústria, responsáveis por cerca de 30% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Setores como a agropecuária e o uso da terra, que juntos representam aproximadamente 70% das emissões totais, ainda estão fora desse mercado regulado. Essa limitação levanta dúvidas sobre a eficácia da medida para atingir as metas climáticas que o Brasil assumiu no Acordo de Paris, como a redução de 43% das emissões até 2030, em relação aos níveis de 2005. 

Embora o foco inicial esteja nos setores de energia e indústria, é crucial expandir o alcance para aproveitar ao máximo o potencial do mercado de carbono como uma ferramenta robusta de mitigação climática.

Sem incluir setores essenciais como a agropecuária e o desmatamento, o Brasil pode enfrentar um desequilíbrio entre sua capacidade de criar créditos de carbono internamente e suas metas ambientais. A exclusão desses setores pode levar o país a depender da compra de créditos de carbono no exterior, em vez de se consolidar como um exportador desses créditos.

Para ilustrar essa situação, podemos imaginar o Brasil jogando uma partida decisiva de futebol, cujo objetivo, como marcar gols, seja reduzir emissões. Nesse caso, estamos em campo com só parte do time (energia e indústria), enquanto setores igualmente essenciais, como a agropecuária e o uso da terra, que poderiam reforçar nossa defesa contra as mudanças climáticas, ainda não estão plenamente integrados. E, enquanto jogamos com parte do time, outros países jogam com seu time completo, reduzindo emissões de forma mais eficiente e cumprindo suas metas. 

A conclusão é que, se não trouxermos todos os setores emissores para o jogo, corremos o risco de ter que arcar com custos adicionais, comprando créditos de carbono de outras nações e prejudicando nossa economia.

Se o PL for aprovado como se encontra, a pressão sobre os setores já regulados tende a ser desproporcional. A indústria e o setor energético, por exemplo, terão que compensar a inação de outros setores, o que pode resultar no aumento dos custos de eletricidade, combustíveis e produtos industriais. Esses custos, por sua vez, afetariam diretamente insumos essenciais como nafta, aço, alumínio e cimento, impactando a economia como um todo.

Outro ponto crítico é a falta de clareza sobre o destino das receitas produzidas pelo mercado de carbono. Até o momento, não há uma definição transparente sobre como esses recursos serão utilizados.

Para que o mercado seja eficaz, é essencial que as receitas sejam direcionadas para fomentar a inovação, promover a sustentabilidade e apoiar os setores mais vulneráveis. A transparência no uso desses recursos não só garantirá que o mercado de carbono seja percebido como uma ferramenta de desenvolvimento sustentável, mas também fortalecerá a confiança pública, ajudando a entregar os benefícios ambientais esperados.

Para evitar que o Brasil se torne um importador de créditos de carbono, é fundamental que o mercado regulado se expanda para incluir os principais setores emissores, como a agropecuária e o uso da terra. Quando devidamente regulados e incentivados, esses setores têm o potencial de produzir uma quantidade significativa de créditos de carbono, posicionando o Brasil como líder global na mitigação climática.

Práticas como o combate ao desmatamento e a adoção de técnicas agrícolas de baixo carbono podem transformar o país em um dos maiores produtores de créditos de carbono do mundo.

Além disso, políticas complementares são essenciais para promover a sustentabilidade no agronegócio e incentivar o reflorestamento. Iniciativas como o manejo sustentável e a agricultura regenerativa não só reduzem as emissões, mas também ajudam a produzir créditos de carbono, diminuindo a necessidade de se comprar créditos no exterior.

Também é importante antecipar-se a regulamentações internacionais, como o Cbam (Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras) da União Europeia. O Cbam exigirá que os exportadores declarem as emissões associadas a seus produtos, com discussões já avançadas sobre a inclusão de produtos agrícolas como carne bovina e soja a partir de 2026. O Brasil tem a oportunidade de ajustar suas práticas desde já, garantindo sua competitividade no mercado europeu e evitando surpresas ou barreiras comerciais no futuro.

O risco de o Brasil se tornar um importador de créditos de carbono é real, caso o mercado regulado continue abrangendo só 30% das emissões. Ampliar o escopo e promover soluções baseadas na natureza são medidas fundamentais para transformar o mercado de carbono em uma ferramenta eficiente, que impulsione a sustentabilidade, fomente a inovação e proteja a economia de custos adicionais desnecessários.

O Brasil tem a chance de ir além de evitar que o mercado de carbono se transforme em uma simples forma de tributação. Com políticas integradas, incentivos claros e uma visão estratégica de longo prazo, o país pode transformar o mercado de carbono em uma poderosa ferramenta de desenvolvimento sustentável, liderando a transição para uma economia de baixo carbono e aproveitando plenamente as oportunidades do cenário internacional.

Para “jogar para ganhar”, é essencial que todos os setores emissores entrem em campo, contribuindo para um sistema eficiente, justo e competitivo.

¹ Artigo de opinião publicado em Poder 360 em 23/10/2024.

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