Por Henry Uliano Quaresma
A China se tornou tão grande que faz o mundo tremer a cada espirro. A sua economia cresce um pouco menos ou um pouco mais do que se imaginava, os preços de ativos pelo mundo afora oscilam dramaticamente, especialmente as commodities agrícolas e minerais, que são avidamente consumidas pelos chineses, que se alimentam mais e melhor e que construíram, em poucos anos, um país estratégico para o mundo. Exemplo disso é a cidade de Shenzhen, ao sul da China, próxima a Hong Kong, que de uma pobre vila de pescadores passou à metrópole quase do tamanho de São Paulo, só que bem mais moderna, que em pouco mais de 30 anos tornou-se um grande centro de tecnologia.
O país que inventou o papel moeda está perto de se tornar o primeiro a deixar de utilizá-lo, tamanho é o avanço de suas tecnologias financeiras, e também está na ponta de revoluções tecnológicas nas áreas da saúde, energia e comunicações. Várias de suas startups estão se tornando não unicórnios, mas “decacórnios”, ou seja, empresas de tecnologias disruptivas com um valor de mercado superior a US$ 10 bilhões, produzindo coisas como meios de convívio entre humanos e robôs, sistemas de localização de criminosos nas ruas ou algoritmos para evitar acidentes de trânsito por meio da análise do comportamento de motoristas.
A China não só consome como vende, e muito. É o maior produtor e exportador de produtos industrializados do mundo. Seu maior cliente, os Estados Unidos, se preocupam com os constantes déficits comerciais e com a transferência da indústria e os seus empregos qualificados para o solo chinês, motivo de uma série de sanções para uma tentativa de reversão desse quadro, através da chamada guerra comercial China-EUA, iniciada em 2018.
Mas o Coronavírus pegou o mundo todo de surpresa, principalmente a China, que mantém a estratégia de “Covid Zero”, produzindo lockdowns em diversas cidades, suspendendo produção de fábricas e operações logísticas, na importação e exportação.
A China, já chamada há alguns anos de “Fábrica do Mundo”, agora se torna tema de discussão no meio industrial. Um dos motivos para esse despertar de posição da indústria ao redor do mundo foi a crise do setor automotivo, que se originou, dentre outras razões, da falta de microcomponentes. Esses componentes eram majoritariamente produzidos na China e Taiwan, mas com a limitação das fronteiras, houve a paralisação de diversas fábricas e montadoras ao redor do globo, que dependiam dessa importação para que o fluxo produtivo funcionasse. Esta situação estende-se até hoje em diversos setores que possuem integração da cadeia de produção com empresas chinesas.
A economia da China causa impacto em todos os países que possuem relação comercial mais intensa, como é o caso do Brasil. A China representa 22% das importações brasileiras e 28% das exportações totais do Brasil, sendo o nosso primeiro parceiro comercial. Então, algumas empresas que importam componentes e insumos já buscam outras opções de fornecimento, inclusive no próprio Brasil.
O Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) rebaixou suas previsões econômicas para a Ásia, considerando a política de Covid Zero da China, o aumento das taxas de juros e a guerra na Ucrânia-Rússia.
As economias em desenvolvimento da Ásia como um todo, incluindo China e Índia, devem crescer 4,6%, em 2022, e 5,2%, em 2023, de acordo com as últimas perspectivas econômicas do ADB divulgadas recentemente.
Espera-se que a economia da China seja rebaixada de 5% para 4,5% pelo motivo dos lockdowns de Coronavírus e “demanda global fraca”.
As autoridades da segunda maior economia do mundo desafiaram a tendência global de coexistir com o Coronavírus e continuaram a introduzir bloqueios e restrições de viagens como parte de uma política de “zero dinâmico” voltada para o Covid-19.
As vendas de novas casas pelas 100 maiores incorporadoras caíram 43% em junho, comparando-se ao ano anterior, segundo a China Real Estate Information Corp. O economista do Macquarie Group Chin, Hu Weijun, disse em um relatório recente que os formuladores de políticas da China querem atingir Covid zero e fazer a economia crescer, um objetivo claro do governo central.
Os dados oficiais da economia chinesa são observados de perto, enquanto se espera que o presidente Xi Jinping ganhe outro mandato de cinco anos. Mas os fundamentos da economia da China são considerados estáveis e sólidos e a perspectiva de melhoria de longo prazo não mudou, sendo que os fatores que apoiam o desenvolvimento de alta qualidade e as características de resiliência também não mudaram. A coordenação eficiente da prevenção e controle da epidemia e do desenvolvimento econômico e social, com o apoio de políticas e medidas de desenvolvimento, poderá superar o impacto da epidemia e manter um desenvolvimento estável e saudável, conforme avaliação de diversas áreas oficiais da China.
O economista-chefe da China Renaissance Capital, Li Zongguang, observou que as exportações da China para a maioria das principais economias mantiveram um crescimento de dois dígitos em julho, transformando suas ações na prevenção de epidemias em vantagens competitivas na cadeia de suprimentos.
As vendas no varejo cresceram 5% em julho, em relação ao ano anterior, de acordo com a estimativa mediana em uma pesquisa da agência Bloomberg com economistas. Mas a recuperação pode ser de curta duração, já que os surtos de Covid em destinos turísticos populares, como a ilha de Hainan e partes do Tibete, em agosto, frearam os gastos e as viagens e deixaram milhares de turistas confinados.
Embora a economia de Hainan represente apenas 0,6% do PIB da China e 0,5% das vendas no varejo em 2021, o surto provavelmente alimentará preocupações sobre os riscos envolvidos nas viagens, prejudicando o turismo mais amplamente e prejudicando o sentimento de consumo, conforme avaliação da agência Bloomberg.
Como a “grande cabeça” no campo do consumo tradicional, a indústria automobilística também continuou a se recuperar. De acordo com dados da Associação Chinesa de Fabricantes de Automóveis, em julho, a produção e vendas de automóveis da China atingiram 2,455 milhões e 2,42 milhões, respectivamente, e um aumento anual de 31,5% e 29,7%, ambos superiores ao mês anterior. Além disso, o índice de atividade do setor de serviços em julho foi de 52,8%, mantendo-se na faixa de expansão, indicando que o setor de serviços segue em recuperação, impulsionado por uma série de medidas de política para estabilizar o crescimento e promover o consumo.
Em resumo, teremos que acompanhar de perto a evolução dos novos lockdowns para análise da economia no curto prazo, mas a perspectiva a médio e em longo prazo é positiva.
Henry Uliano Quaresma, CEO da Brasil Business Partners e membro do Conselho de Administração da AEB, publicado originalmente em scempauta.com.br.