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Tributo ao Ministro Ernane Galvêas

Ernane Galvêas (1922-2022)

A morte de Ernane Galvêas em 24 de junho último – Presidente de Honra da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) e Consultor Econômico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) – foi mais uma perda do segmento econômico brasileiro, em particular no relativo às operações comerciais com o exterior, de ícones precursores da luta por se estabelecerem condições competitivas às empresas brasileiras para conquista de maior e mais qualificada participação do país no comércio internacional.

Em 1968, então Diretor da “Carteira de Comércio Exterior (CACEX)” – criada em 1953 sob a estrutura do Banco do Brasil e extinta em 1990, com suas funções transferidas para o que hoje seriam as do atual DECEX/Ministério da Economia) – Galvêas passou o cargo para Benedicto Fonseca Moreira, ícone igualmente recém falecido quando também atuando na AEB, para iniciar seu primeiro mandato como Presidente do BCB (1968-1974), chegando à posição de Ministro da Fazendo no Governo do General João Batista de Oliveira Figueiredo. Em 2015, como parte das comemorações dos então 45 anos de criação da AEB, uma série de entrevistas foi realizada com personalidades contemporâneas do início de atividades da Associação.

A título de singela homenagem póstuma da atual gestão da AEB ao economista Ernane Galvêas reproduz-se abaixo a íntegra da entrevista por ele concedida, com o registro de esperança de que este exemplo de homem público que foi de como bem servir ao país inspire e seja seguido pelos atuais e futuros responsáveis por formularem/executarem políticas públicas, no caso, em especial as voltadas às operações comerciais, tanto de mercadorias quanto de serviços, com os mercados internacionais.


AEB – Criada em 1970, a AEB foi constituída pela iniciativa de alguns empresários em um momento que se apontava que o Brasil precisava exportar. O senhor achava que, no contexto da época, houve receptividade à ideia de criação da AEB?

EG – Eu acho que o início da criação da AEB antecede um pouco as grandes dificuldades que o Brasil teve depois do primeiro e do segundo choque do petróleo. Que foi um negócio muito sério, em 1969. Quando aconteceu o primeiro choque do petróleo, com o preço passando de 2 para 10 dólares, foi um trauma, pois o Brasil era muito dependente da importação do petróleo. Não tinha combustível e não tinha grandes reservas para fazer frente à esta modificação. O mundo todo sofreu uma crise de comércio exterior nessa época. Aconteceu que o dinheiro do petróleo, ocasionado pelo aumento do preço, foi parar nas mãos dos grandes exportadores árabes que os depositaram nos bancos, daí a origem dos chamados petrodólares. Isso facilitou que o Brasil tomasse dinheiro emprestado para poder fazer as importações do petróleo. Mas o problema não tinha solução por aí, o caminho era realmente aumentar as exportações. Houve um movimento, uma consciência e uma unidade de esforços para concentrar as medidas econômicas de fomento às exportações. É esse o clima em que nasce a AEB. O Giulite Coutinho era um pioneiro nesta área, conhecia as dificuldades das exportações. Com este propósito, pediu ajuda ao Banco Central, Banco do Brasil, Ministério da Fazenda, com o Delfim Neto e todo mundo se dando conta de que, realmente, era muito importante concentrar esforços na exportação. Fazer da exportação a grande prioridade.

AEB – Quando da instalação da AEB, o Dr. Giulite Coutinho apontou que, embora as exportações estivessem crescendo, substancialmente, em 1970, o Brasil era o 22º exportador com uma participação a 0,9% das exportações mundiais. E indagou: “Será uma previsão demasiadamente otimista admitir uma participação do Brasil em torno de 2% das exportações mundiais?”. Embora, desde então, as exportações tenham de decuplicado, a maior participação foi de 1,3%, em 2012, mas continuando o Brasil na 22ª posição. Na sua opinião, porque o País não ampliou sua participação nas exportações globais?

EG – A primeira explicação é que surgiram no mercado internacional competidores com grande potencial em termos de manufaturados, área em que vínhamos crescendo, mas começaram a aparecer alguns países asiáticos, além da Europa e dos Estados Unidos, aumentando a competição, ficando muito difícil, principalmente a partir de 1970. A isso conjugue-se o aumento do custo Brasil, com o país enveredando por uma série de políticas equivocadas (cambio, salarial, taxa de juros…), agravando muito o custo de produção, perdendo produtividade e competitividade. O problema se agravou nos últimos anos com a presença da China, Coreia do Sul e Malásia, concorrentes muito difíceis porque têm custos de produção muito reduzidos. A situação agravou-se nos últimos anos e acho que nós vamos conviver com este índice baixo (de competitividade) durante muito tempo. A exportação está caindo, o comércio internacional também não está crescendo muito, até a China está reduzindo um pouco a velocidade de suas exportações, mas o Brasil oferece o pior resultado nessa área: os nossos números, vocês têm acentuado isso nas reuniões da AEB, caíram muito.

Giulite Coutinho, Ernane Galvêas, Laerte Setubal e Benedicto Moreira no segundo Enaex, em 1972

AEB – A que o Senhor atribui o fato de a nossa balança comercial ter passado a deficitária?

EG – Nós tivemos uma arrancada quando a China entrou no mercado internacional nos dando um grande alento, a partir de 1990/2000. Em 2009, as nossas exportações, com a crise no mercado financeiro americano, caíram quase 22,7%, sendo feito outro esforço redobrado. Contudo, a China entra com todo o peso, comprando tudo, fazendo estoques, elevando os preços da soja, do minério de ferro, da celulose e de vários outros produtos minerais e nós tivemos uma espécie de milagre: em 2010, já no final do Governo Lula, as exportações do Brasil crescem 32%; em 2011, princípio do Governo Dilma, crescem 26%. Mas aí, foram tantas as coisas erradas, começando com a taxa de câmbio e com a concentração das atenções e das prioridades na área social, que o comércio exterior ficou relegado a um segundo plano.

AEB – É correto dizer-se que a época o grande crescimento das exportações se deveu, basicamente, ao aumento do comércio de commodities?

EG – É verdade. Mas aí a China começa a se retrair daquele fabuloso crescimento de mais de 10% para 7 a 7,5% em 2012: nossas exportações (também as importações) caíram 5,3%; em 2013 tiveram um decréscimo 0,2%, praticamente estagnadas; em 2014 continuaram a cair (7%), e em 2015 é isto que estamos assistindo, continua em queda. A tendência é de queda. O Custo Brasil é muito elevado, a retração do comércio internacional não ajuda e a competição é desenfreada. Os países exportadores estão hoje com uma capacidade de competição que torna muito difícil para nós sairmos (da dependência) dessas exportações de commodities. Fechamos um pouco as possibilidades, pois a Europa também entrou numa fase de recessão, de deflação. A Europa está consumindo menos com dificuldades financeiras, exportando e importando menos. A Europa era a grande compradora e parceira do Brasil. Continuamos bem ainda com os Estados Unidos e com a China, principalmente. Tivemos um momento muito bom de expansão do comércio com a Argentina, mas agora impõe restrições, está criando barreiras para importação de produtos manufaturados do Brasil. As expectativas não são boas. Perdemos uma grande capacidade de competição e estamos utilizando as vantagens comparativas da agricultura: é por aí que estamos saindo, estamos crescendo com a exportação dos produtos primários.

AEB – Quando da criação da AEB participaram três grandes Confederações (do Comércio, da Indústria e da Agricultura). A CNC, depois, passou a abrigar a AEB oferecendo as instalações que ocupa há mais de 30 anos, configurando uma relação muito próxima. Como o senhor vê essa relação entre a AEB e a CNC?

EG – Desde o início, tivemos uma identidade de propósitos e objetivos com aqueles empresários que iniciaram e deram os primeiros passos na construção da AEB. Começando com Giulite Coutinho e, depois, com Laerte Setúbal, contando, na oportunidade, com o benefício importante do Sylvio Pedroza, chefe de gabinete da presidência da CNC [e primeiro secretário-geral da AEB]… A partir daí, trouxemos a AEB para a Confederação – que não tinha um departamento específico para a área – que passou a ser braço de comércio exterior da CNC, como, entendemos, segue até hoje. Temos Departamentos Sindical, de Turismos, de Negociações Trabalhistas, mas não temos um de Comércio Exterior. Fizemos da AEB o braço estendido no comércio exterior, uma espécie de afilhado a quem abrigamos e temos possibilidade de oferecer algumas facilidades. Eu acredito que isto vai durar muito tempo.

AEB – Qual é a sua visão de futuro para a AEB? Como vê o papel da AEB?

EG – Ontem, estivemos em Brasília num almoço em homenagem ao Armando Monteiro, que é o novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Ele é uma pessoa altamente motivada, tem conhecimento de causa, foi Deputado, foi Senador e foi presidente da CNI. Conhece os problemas nacionais e está enfronhado das dificuldades que a economia atravessa. Considera que deve ser dada prioridade ao fomento e estímulo das exportações, proposta que está levando ao Governo, à presidente Dilma. Neste sentido, ele quer a redução dos juros (no financiamento do comércio exterior, quer manter o Reintegra, quer fazer acordos bilaterais e multilaterais, quer sair um pouco das restrições do MERCOSUL para fazer acordos, diretamente, com a Europa e com os Estados Unidos. Primeira coisa que fez (após assumir o MDIC) foi visitar os Estados Unidos, com encontros para promover acordos no sentido de ampliar o intercambio financeiro e comercial com o maior parceiro do Brasil. Armando Monteiro é figura muito importante no Governo, e, junto com outros que têm este mesmo convencimento (da importância do comércio exterior) vai ser decisivo na retomada do comércio exterior do Brasil, principalmente para o mercado americano, e com abertura de novos mercados. A AEB (em contribuição ao Governo) é a interlocutora que faz o meio de campo, a ligação entre Governo e empresários. As reuniões da AEB são muito positivas, nelas nascendo muitas sugestões que o Governo encampa, como as que presenciei e que terminaram no Portal Único, que é uma grande desburocratização na área do comércio exterior, interagindo com Mauro Borges, ex-ministro do MDIC, e com o Daniel Godinho (Secretário de Comércio Exterior do MDIC). Aconselho que a AEB mantenha esse entendimento e essa ligação estreita com o MDIC, tendo ao nosso lado o Armando Monteiro para conversar conosco e, para discutir com os exportadores da AEB, o (ex-companheiro da CACEX), Secretário Executivo Ivan Ramalho, pessoa muito treinada neste assunto, além do Godinho. Temos que manter esta aproximação com o nosso “Ministério da Exportação”, o MDIC.

AEB – Ministro, sob sua visão, como se concilia o fato de o Brasil ter que fazer ajuste, como premissa para o crescimento, com recorrentes limitações de recursos, com a necessidade, que o senhor acabou de remarcar, de não se deixar de dar incentivo às exportações?

EG – Acho que nós tivemos um excesso de gastos com alguns problemas que realmente não conduziam ao crescimento econômico e à expansão do comércio exterior. Temos que corrigir isso. A primeira coisa, porque aumentaram muito os gastos governamentais, é fazer um plano, um tratamento de dieta para sobrar recursos para investir, porque se não investir em estradas, não investir em Portos, não investir em combustível, em energia elétrica, é lógico que o Brasil não resolve o problema de competitividade da coletividade e da redução do Custo Brasil. Para reduzir os custos é preciso recurso para fazer investimentos. Como o Governo está sem recursos, o Governo tem que emagrecer. Como são 39 ministérios, tem que impor um regime, uma dieta pesada, reduzindo do orçamento, digamos, 5% a 10%, de cada ministério para sobrar dinheiro para as estradas, para os Portos e para o financiamento das exportações. Mas, tenho a impressão que, sob a liderança competente do ministro Armando Monteiro e bons auxiliares, o programa (de incentivos à exportação) será cumprido.

AEB – Ante as limitações que o Sr. Colocou muito bem, o ministro Armando Monteiro terá que eleger algumas prioridades, focando na competitividade das exportações. Se o senhor tivesse que eleger apenas três, quais delas elegeria?

EG – Eu não diria por mim, já que estou aqui, vamos dizer, interpretando o desenho que foi feito pelo Armando Monteiro. Ele vai trabalhar com sentido de manter a redução das taxas de juros para os financiamentos de exportação. A taxa de juro no Brasil é extremamente elevada, é um dos Custos Brasil mais pesados, então, ele vai trabalhar, vai insistir que o financiamento às exportações tem que ser (ter custo) equiparado com o que acontece nos grandes países exportadores do mundo. Ele não precisa insistir com a taxa de câmbio porque, depois da posse desse novo ministério, a taxa de câmbio já está se ajustando às necessidades da economia nacional. Também pode se esperar dele a manutenção de programas de incentivo como o Reintegra, o Portal Único (para reduzir burocracia). Ele vai estimular e vai insistir nesta programação. Ele veio com o sentido de reativar o Reintegra, porque já tinham aprovado a sua extinção. Reintegra é aquela restituição ao exportador dos impostos que não identificados que o produto pagou durante a sua caminhada até o porto, eram 3% básicos de retorno para o exportador e iam eliminar isto e o Armando está conseguindo que não o eliminem, vai ser reduzido, ele aceitou, é uma barganha que está fazendo, reduzido para 1% e vai ser feito um escalonamento, daqui a pouco volta para 3%, mas já convenceu no primeiro contato com as principais autoridade do novo Governo que isto é importante. Então o Reintegra vai continuar.

AEB – A AEB se mobilizou muito para isso, apoiando o ministro com colocações com outras autoridades, enviou oficio à presidência da República e com manifestações, também, através de publicações.

EG – Lógico, claro que ajudou. A AEB tem um peso importante neste jogo. É uma instituição de prestígio, que tem história que durante todos esses anos, desde 1970, vem ajudando muito o Governo a formular os seus programas com medidas necessárias. E assim vai continuar, não vai deixar de se destacar, agora que nós temos um ministro que vestiu a camisa da exportação, não é isso? O momento não é o melhor, o momento é ruim com a inflação, com a queda do crescimento, o desemprego piorando. Já que o momento não é bom, vai ter que cortar na carne e fazer dieta. Vai ter que encontrar recursos para fazer os investimentos mais importantes. E manter os estímulos. Nós não fizemos programa de estímulo para tantas coisas? para a indústria automobilística, para geladeira, para Minha Casa Minha Vida? Então a exportação deve ser prioridade e o Governo vai reconhecer que a exportação é uma prioridade.

AEB – O Sr. acha que essa consciência já existe? Estamos falando de consciência no Brasil, de Governo, de Executivo e de Políticos do quanto é importante o comércio exterior. O Sr. acredita que isto está consolidado?

EG – Nós levamos um tremendo susto. Primeiro, porque nós perdemos os saldos positivos da balança comercial: de repente, em vez de superávit na balança comercial passamos a ter déficit, o que agravou o déficit das transações correntes no balanço de pagamento. Aí vamos examinar porque o déficit de transações correntes subiu tanto nos últimos anos, porque criaram, apareceram outros itens e esses são muito difíceis de serem trabalhados porque são institucionais, nós hoje temos muitas despesas com viagens para o exterior, temos despesas que são irrecusáveis como pagamento de transporte, pagamento de juros da dívida que estamos fazendo e pagamento de lucros e dividendos das empresas estrangeiras que vieram e que financiam o balanço de pagamento. Investimento de capital estrangeiro depois produz dividendos, o financiamento produz juros – então nós temos alguns elementos que são estruturais, temos que ter saldo na balança comercial para cobrir esses déficits de serviços. Há pouco tempo fi z um estudo para o Boletim quinzenal da CNC, onde falo que isto cria uma rigidez para o programa do balanço de pagamento. Além do saldo negativo da balança comercial que foi uma decepção para todos nós, estamos vendo agora que tem esse problema, o brasileiro aprendeu a viajar e a fazer compras em Miami. Então, no ano passado, gastamos 20 bilhões de viagens internacionais, 10 bilhões com transporte internacionais, 23 bilhões com royalties, aluguel de equipamentos, gastamos 14 bilhões de juros, 26 bilhões de lucros e dividendos. Isso não tem saída, isso é estrutural com medidas necessárias. E assim vai continuar, não vai deixar de se destacar, agora que nós temos um ministro que vestiu a camisa da exportação, não é isso? O momento não é o melhor, o momento é ruim com a inflação, com a queda do crescimento, o desemprego piorando. Já que o momento não é bom, vai ter que cortar na carne e fazer dieta. Vai ter que encontrar recursos para fazer os investimentos mais importantes. E manter os estímulos. Nós não fizemos programa de estímulo para tantas coisas? para a indústria automobilística, para geladeira, para Minha Casa Minha Vida? Então a exportação deve ser prioridade e o Governo vai reconhecer que a exportação é uma prioridade.