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Projeções põem petróleo como produto líder nas exportações

Mineral empata com soja até agora, deve superar o grão na liderança do ranking este ano e assumir primeira posição

Por Marta Watanabe e Álvaro Fagundes

O petróleo deve se tornar, em 2024, o produto líder da exportação brasileira, desempenho inédito na série histórica da balança comercial brasileira desde 1997. Até a última divulgação com dados parciais de novembro, no dia 25, a exportação de soja somou neste ano US$ 41,923 bilhões, menos de US$ 60 milhões à frente dos US$ 41,867 bilhões em embarques de petróleo. Por esses dados, a fatia da soja no total da exportação foi de 14,62% contra 14,61% do petróleo. Até novembro do ano passado as participações foram de 16,5% e 12,6%, respectivamente.

A expectativa é que o petróleo ultrapasse o grão que, por questões sazonais de safra, tem historicamente embarques mais intensos até setembro. Segundo os dados parciais até o último dia 25, o embarque médio diário da soja em novembro foi de US$ 68,34 milhões, contra US$ 255,76 milhões do petróleo.

O petróleo deve terminar 2024 com nível recorde de exportação. A commodity já tem marca histórica de janeiro até outubro, último dado mensal consolidado divulgado pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex). A exportação de petróleo nesses meses somou US$ 38,29 bilhões, 10,6% a mais que em igual período de 2023. O avanço da participação da commodity energética na pauta de exportação brasileira, porém, também acontece porque houve queda do valor embarcado em soja neste ano. Até outubro, o grão somou US$ 40,97 bilhões em embarques, 15,6% a menos que em 2023, na mesma comparação.

O menor valor exportado do grão se deve à safra menor. Segundo os últimos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o volume total de soja colhido na safra 2023/2024 foi estimado em 147,38 milhões de toneladas, redução de 7,23 milhões de toneladas em relação ao período anterior. A queda foi causada principalmente por fatores climáticos, como atraso de chuvas e altas temperaturas. Com safra recorde em 2023, a soja brilhou no ano passado como o produto mais exportado pelo Brasil.

O volume da produção brasileira de petróleo também foi recorde em 2023, e no acumulado até outubro de 2024, segundo os dados mais recentes da Agência Nacional de Petróleo (ANP), está 0,3% maior que no mesmo período do ano passado.

Apesar da alta das exportações, Bruno Cordeiro, analista de mercado da StoneX, explica que a produção de petróleo no Brasil este ano está aquém do esperado e a expectativa é de que encerre 2024 próximo da estabilidade em relação a 2023, com leve queda.

“Ao longo do segundo semestre do ano passado observamos uma produção em ascensão que refletiu novos investimentos, abertura de poços e elevação de produtividade de poços já em operação. Já no primeiro semestre de 2024, porém, houve uma desaceleração de produção”, diz. Além de uma quantidade importante de poços já maduros, que contribuem para uma tendência de declínio natural da oferta, explica, houve atrasos na esperada abertura de novos poços.

O nível de exportação de petróleo chegou a desacelerar no decorrer do ano, observa Bruno, mas nos últimos três meses houve um excedente exportável maior de petróleo bruto. “Isso aconteceu porque houve redução do processamento de petróleo pelas refinarias brasileiras, que vêm buscando a produção de derivados de maior valor agregado. Isso permitiu uma exportação em volume ainda maior do que no ano passado.”

Segundo dados da Secex, desde 2017 o petróleo está, ao lado da soja e do minério de ferro, no trio dos itens mais embarcados pelo Brasil. “Mas o petróleo como líder nas exportações é algo inédito. A rivalidade pelo topo do ranking ficava historicamente entre minério de ferro e soja”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

O Brasil aumentou sua produção de petróleo nos últimos anos, mas em 2024 a evolução de preços também fez diferença, lembra Castro. “Tanto soja quanto petróleo tiveram queda de preço, mas a cotação da soja caiu mais.” Segundo a Secex, de janeiro a outubro o preço médio de exportação da soja caiu 16,8% contra iguais meses do ano passado enquanto o de petróleo recuou 2,9%.

A evolução das cotações internacionais está no radar para o desempenho da commodity no cruto prazo. “Estamos observando uma pressão para baixo no preço do petróleo, principalmente desde agosto. No início do ano o petróleo operava em torno de US$ 90 o barril. Hoje opera entre US$ 70 a US$ 75. O principal fator para isso está relacionado à demanda global nos próximos anos para a commodity”, diz Cordeiro. Entre os principais fatores que contribuem para isso, diz o analista da StoneX, está o possível acirramento do conflito comercial entre Estados Unidos e China, resultando em tendência de desaceleração da economia global, com redução de demanda por petróleo e derivados.

Para o analista, a política protecionista prometida pelo presidente eleito nos Estados Unidos, Donald Trump, pode fazer com que a exportação de petróleo fique ainda mais concentrada na China. Hoje, diz, 57% do petróleo brasileira embarcado vai para a Ásia, sendo cerca de 45% para a China.

Transição energética pode mudar a rota dos investimentos
— Bruno Cordeiro

Para o economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), há outras questões que podem influenciar a destinação do petróleo brasileiro. “Trump já disse que quer aumentar a produção doméstica americana de petróleo. E aí você começa a criar alguma confusão, com canais diretos e indiretos. Há também uma questão entre blocos. Será que a China pode comprar menos petróleo brasileiro, porque estamos mais ligado aos Estados Unidos, e comprar mais petróleo russo? Essa também é uma possibilidade, ainda que seja muito indireta. O canal primordial deveria ser um ajuste de preço, por causa das políticas americanas. Isso pode levar a uma redução da rentabilidade, mas não do volume da produção brasileira de petróleo.”

Segundo dados da Secex, a China é hoje o maior destino da exportação brasileira de petróleo, com fatia de 45,8%. Os Estados Unidos vêm em segundo, com 12,6%, seguido da Espanha, com 10,4%. Na soja, o país asiático é mais representativo. Os chineses absorvem 73,1% de toda a soja embarcada pelo Brasil, seguida pela Espanha, com 4,4%.

Segundo os dados do governo chinês, o Brasil é fornecedor importante das commodities. Entre os desembarques chineses, o Brasil é a principal origem de soja, a segunda de minério de ferro e a sexta em petróleo. A compra dos chineses de petróleo, porém, tem origem mais pulverizada. A fatia brasileira na importação chinesa de soja é de 73,8% enquanto na de petróleo é de 6,8%.

Para Castro, da AEB, há muita incerteza em relação ao comércio global a partir de 2025. Além disso, diz, as cotações de petróleo estão muito sujeitas a oscilações que podem acontecer com eventuais novos conflitos ou com as decisões de produção dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

No curto prazo, diz Cordeiro, o Brasil deve manter excedentes para exportação, caso a produção cresça, conforme os planos estratégicos da Petrobras e considerando também a baixa capacidade ociosa de refino no Brasil.

A longo prazo, diz ele, há outro fator que deve ser considerado: a entrada de biocombustíveis de forma mais intensa no mercado. “A pauta de exploração de petróleo começa a disputar espaço com outras, principalmente as relacionadas à transição energética. Há, por exemplo, a provável entrada da Petrobras no mercado de etanol. E observamos empresas do mercado de petróleo, olhando mais para o gás natural e soluções de baixo carbono em geral”, aponta Cordeiro. “Enquanto as expectativas de curto prazo estão ligadas a questões econômicas e geopolíticas, no horizonte mais longo, de cerca de cinco anos, deve vir um efeito maior da transição energética, que pode aumentar o nível de produção brasileira e mudar a rota dos investimentos.”

Atualmente, destaca Cordeiro, o Brasil está entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo, com condição de oferta importante no mercado global. Mesmo fechando este ano com leve queda de produção em relação a 2023, a produção de petróleo de 2024 deverá ser a segunda maior na série histórica.

O aumento da produção, diz Welber Barral, sócio da BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior, foi possibilitada pela exploração do petróleo do pré-sal, que hoje representa quase 80% da produção brasileira. “Apesar dos altos custos relativos nessa exploração, o Brasil aumentou muito a eficiência no pré-sal, o que propiciou aumento de produção.” “Mas o desafio é a agregação de valor, mesmo com aumento de produção do petróleo. Hoje o Brasil exporta muito petróleo cru e importa derivados.”

Escrito por Marta Watanabe e Álvaro Fagundes. Originalmente publicado no Valor Econômico. Clique aqui e acesse.

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